sexta-feira, 16 de novembro de 2007

14/11/2007


Reportagem sobre o
Programa Povo Marcado é premiada

O Jornalista Wilson Gonçalves Junior do jornal “Folha de Votorantim” foi o grande vencedor do VII Prêmio Jornalístico ASI / Schaeffler Group de Direitos Humanos. A reportagem premiada relatava com sensibilidade e precisão o primeiro programa de rádio “Povo Marcado” realizado pelas detentas da Cadeia Pública de Votorantim.

O evento da Associação Sorocabana de Imprensa foi realizado na Câmara dos Vereadores de Sorocaba em 14/11/2007, e premiou as três melhores matérias de cada categoria (“Jornalismo impresso”, Foto-jornalismo”, “Rádio”, “Televisão e “Repórter-cinematográfico“), com temática relacionada a promoção dos direitos humanos e sociais. Os vencedores de cada categoria ganharam um troféu e prêmio em dinheiro, de acordo com a classificação. E a melhor reportagem, entre todas, conquistou também o prêmio especial “Tim Lopes”.

O repórter da Folha ficou em primeiro lugar na categoria impresso e a matéria dele foi escolhida como a melhor entre mais de 50 trabalhos inscritos nesta edição.

A equipe do Programa Povo Marcado aproveita este espaço para parabenizá-lo pelo prêmio. Isso é motivo de alegria e traz mais incentivo para a continuidade do Programa Povo Marcado e demais projetos culturais realizados na Cadeia.

Luciana Lopez
Werinton Kermes
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Momento da entrega do Prêmio
"Tim Lopes" para o jornalista Wilson Júnior
(segundo da direita pra esquerda)
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A seguir segue a matéria premiada, gentilmente cedida pelo jornalista Wilson Júnior.

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Um antídoto contra o preconceito e a
favor da ressocialização nas ondas do rádio

Programa “Povo Marcado”, gravado na Cadeia Pública
Feminina de Votorantim e produzido pelas presas, foi ao ar pela
primeira vez na quarta-feira na rádio Nova Tropical FM (105,9).

Wilson Gonçalves Junior
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Matéria publicada no jornal Folha de Votorantim em 23/06/2007


“Muda, que quando a gente muda o mundo muda com a gente. A gente muda o mundo na mudança da mente. E quando a mente muda a gente anda pra frente. Na mudança de atitude não há mal que não se mude nem doença sem cura. Na mudança de postura a gente fica mais seguro. Na mudança do presente a gente molda o futuro”.
A música “Até Quando”, de Gabriel Pensador foi executada durante a estréia do programa “Povo Marcado” e assim como “Admirável Gado Novo”, de Zé Ramalho - um trecho da canção dá nome a iniciativa - pode ser considerada sua verdadeira causa: dar uma nova oportunidade a quem está em situação adversa e encontra-se com sua liberdade cerceada devido uma transgressão às leis da sociedade. Ao ar pela rádio Nova Tropical FM (105,9), o programa foi produzido e apresentado pelas presas e gravado dentro da Cadeia Pública Feminina de Votorantim na tarde de terça-feira.
O “Vida de Gado”, que é uma iniciativa da secretaria de Cultura de Votorantim e da administração da cadeia feminina, busca um antídoto contra o preconceito existente contra as detentas, reafirmando que a ressocialização é possível através da possibilidade de “mudança”. O programa tem como proposta mostrar a realidade atrás das grades tendo as detentas como interlocutoras, e tentar assim, diminuir o distanciamento entre a sociedade e a população carcerária. O primeiro programa teve como entrevistado, o arcebispo de Sorocaba, Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues e já outras convidados estão agendados, como deputado, juiz e promotor. O programa apresentou uma interação com toda a cadeia, com perguntas feitas pela apresentadora e outras detentas. A programação musical teve o já citado Gabriel Pensador, Seu Jorge, Raul Seixas, Zé Geraldo, entre outras.
A delegada responsável pela cadeia de Votorantim, Sueli Morales da Silva, é uma entusiasta da ressocialização e mesmo diante da superlotação da cadeia que tem capacidade para 48 e hoje abriga 182 presas, ela enxerga um horizonte novo para estas mulheres através de iniciativas como a do programa de rádio, que segundo afirmam é inédito em todo país. Sueli disse que achou o projeto apresentado pela secretaria de Cultura viável e resolveu apostar na idéia, justamente pela oportunidade das pessoas conhecerem o outro lado e perceberem, a partir dai, que as presas são inteligentes e seres humanos como outro qualquer. Neste caso específico, explicou ainda, muitas delas são levadas à vida do crime - principalmente ao tráfico de drogas - pela influência dos seus companheiros. “Se as pessoas conhecessem o outro lado, atrás dos portões de uma cadeia, eles iriam ver que não é uma vida fácil. Concordo, cometeram crime e estão pagando por ele. Mas a obrigação do estado pela lei é ressocializar novamente a pessoa, pra quando ela sair, ter uma vida junto à sociedade e não retornar ao crime”.
O arcebispo de Sorocaba, Dom Eduardo Benes, detentor da orientação católica - do perdão após arrependimento do erro - também crê na ressocialização. Para ele, se todas as sociedades fossem sadias e as pessoas voltadas apenas para o bem, os crimes diminuiriam e aqueles que o cometeram, teriam o apoio da comunidade para voltar a uma vida digna do ponto de vista moral e social. Dom Eduardo acredita ainda que o rádio pode estreitar os laços entre as detentas e a sociedade. “Acho que é importante que a sociedade participe da vida das prisões, para poder sentir-se responsável pela ressocialização daqueles e daquelas que por uma infelicidade foram levados a esta situação”.
O secretário de Cultura de Votorantim, Werinton Kermes, disse que a idéia de se criar o programa de rádio surgiu juntamente com outras atividades, introduzidas pela prefeitura de Votorantim através do “Leitura em Cadeia”, que já possui quatro anos de existência. Esta vivência, frisou, comprovou que o rádio é o grande companheiro das mulheres dentro das celas. “A idéia é trazer ao programa pessoas chave, como promotores, juizes e coronéis da Polícia Militar e que possam ser um elo pra mudar esta realidade delas, porque são 48 vagas para cada 200 presas e isso é desumano”.

“Vida de Gado, povo marcado”

As reeducandas que participam da produção do programa “Vida de Gado” são: Viviane Fernandes (apresentadora do programa), de 32 anos; Valdirene de Fátima Borges Gomes, de 25 anos (produção) e Raquel Aparecida Santos Costa, de 20 anos, (produção e descobridora de talentos dentro cadeia) “Vida de Gado, povo marcado eu”- As marcas citadas, que são a continuidade da letra da música que dá nome ao programa, estão presentes em cada palavra proferida pelas detentas entrevistadas.
A reeducanda/apresentadora Viviane destacou que a sociedade tem uma imagem distorcida da vida de dentro do cárcere e que o programa de rádio vai desmistificar essa idéia de que nas cadeias não existem pessoas talentosas, mães de famílias e seres humanos. “Isto não é um depósito de ser humano. Não adianta o ser humano errar e você jogá-lo num deposito três ou quatro anos. Se ele sair desta maneira, ele vai voltar a fazer o que fazia, porque não teve oportunidade. Quando sai é pior ainda, porque existe o preconceito e muita gente não abre a porta; independente que ela (presa) tenha curso ou profissão antes. Ele fica carimbado (a tal marca) e pra sociedade não tem mais valor pra você voltar no mercado de trabalho. Isso que a gente quer mostrar, que tem talentos, mães de família, etc”.
Viviane lembrou ainda que o programa também será uma ligação entre as detentas e seus familiares, já que muitas delas não recebem visitas, tendo em vista que os entes de algumas presas moram em lugares distantes de Votorantim e não possuem condições financeiras de estar viajando frequentemente.
Já produtora e responsável pelo caça-talentos dentro da cadeia é a reeducanda Raquel Santos. Ela está presa há seis meses por tráfico de drogas e citou que as presas possuem talentos e sentimentos, explícitos muitas vezes em poesias e cartas escritas de dentro das celas. Ela concordou com Werinton e apontou que o rádio realmente é o grande companheiro das encarceradas. Já reeducanda Valdirene Borges, presa desde abril de 2006, também participa da produção do programa e é um desses talentos. Todo programa, além das vinhetas, ela faz o louvor com a canção “Prisioneiras”.
Raquel disse que está tomando o tempo de prisão para fazer uma avaliação dos erros cometidos e lembrar a cada momento as palavras da mãe, que sempre apontava o rumo errado que ela estava tomando. “Pra mim, isso aqui tá sendo um tempo de reflexão mesmo, dos erros cometidos. Nunca ouvi minha mãe e é isso que eu mais penso hoje em dia. Quando eu sair daqui, quero fazê-la rir e não mais chorar”, pontuou emocionada, fazendo mais uma mostra da citação de Gabriel Pensador: “na mudança do presente a gente molda o futuro”.

Equipe

As presas que integram o projeto do programa radiofônico “Povo Marcado” têm a orientação voluntária da doutora em Comunicação, Míriam Cris Carlos, da jornalista e radialista Luciana Lopez com auxílio técnico de Davi Alamino e José Carlos Balotim. Além da emissora de rádio comunitária de Votorantim, o Programa será exibido nas rádios comunitárias de outras duas cidades da região de Sorocaba: Iperó e Boituva. A Secretaria de Cultura de Votorantim também negocia com a TV a cabo local a possibilidade de criar a versão televisiva do Programa “Povo Marcado”. As Rádios que queiram veicular o Programa podem entrar em contato com a Secretaria de Cultura de Votorantim pelo telefone (15) 3353-8669.